CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DA ABÓBODA
LARGO DO CHAFARIZ | CONCEIÇÃO DA ABÓBODA
Desconhecendo-se quando foi fundada por Frei Gonçalo de Azevedo, cavaleiro da Ordem de Malta, a ermida de Nossa Senhora da Conceição da Abóboda tem como mais antigo registo datável o ano de 1579, inscrito na sepultura armoreada, que pode ser observada na capela-mor do templo.
Nesta pequena capela e no convento que se lhe anexou em 1673 instalou-se um núcleo de frades da congregação dos Agostinhos Descalços, que aqui se manteve por três anos.
Aproximadamente em 1750, o equipamento religioso foi ocupado por frades polacos da Ordem da Imaculada Conceição, ficando-lhe associado o nome do conhecido Padre Casimiro Wyszynsky, que acabou por falecer, com fama de santidade, no Convento de Balsamão Macedo de Cavaleiros, onde se encontra sepultado.
No século XVIII, a capela acolheu uma irmandade de homens do mar que assegurava a realização, a 8 de Dezembro, das festas em honra da padroeira, tradição que perdurou até aos dias de hoje.
Recentemente, a ermida foi restaurada, mas foram poucas as características da traça original que se conservaram.
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“(…) Apesar de não ser conhecido com uma total exactidão o ano da fundação da ermida de N.ª Sra. da Conceição da Abóboda, tomou-se o ano de 1579 como a primeira data de que há notícia segura; contudo, Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano assegura-nos ser a fundação da ermida cerca de três gerações anteriores a esta data”. Assim o diz Fernando Gomes no seu trabalho, a pág. 12, que tem por título exactamente a ermida de N. Sra. da Conceição da Abóboda. (…)
(…) quanto ao topónimo Abóboda explica Frei Agostinho de Santa Maria (Santuário Mariano, tomo II, Lisboa 1707): “nos tempos antigos houve naquele sítio alguma arca, ou casa de água, ou outra coisa semelhante, de que há muitos exemplos; de onde se conduzisse a água de alguma fonte…”, referindo-se o auto depois à explicação do Prof. J. Diogo Correia, que, aliás, reproduzimos, e é muito semelhante.
Vários foram os acontecimentos que ali se deram, asseverando-se que o “Prior do Crato” (quando andava perseguido pelos esbirros filipinos) se refugiou na ermida de N.ª Sra. da Conceição”, o que “é bem possível dada a grande afeição dos Almeidas Azevedo para com o chefe da resistência portuguesa e a região, pelo seu isolamento, ser propícia para um refúgio”.
“Nos princípios do ano de 1670 foram realizadas ampliações na antiga ermida, tendo sido construído um pequeno convento que, em 1673, foi ocupado por um pequeno grupo de frades da Congregação dos Agostinhos Descalços (…)”.
Estes frades foram auxiliados por Manuel Ribeiro Quaresma, capitão do navio “Conceição” que por ter salvo de vários perigos no alto mar quando navegava do Brasil, resolveu fazer vários melhoramentos no convento. Contudo, em 1676, por ordem do Desembargador do Paço, os religiosos foram expulsos dali por já haver sido atingido o número máximo de licenças para a edificação de casas religiosas agostinhas.
Na sacristia da ermida encontra-se um “ex-voto”, a óleo sobre madeira e com uma inscrição relatando um milagre feito por N.ª Sra. da Conceição e que diz o seguinte: “Milagre que fez N.ª Sra. da Conceição da Abóboda ao Dor. João Princípe e sua mulher. Estando ambos sem esperanças de vida. Recorrendo à Sra. ficarão livres de queixa que padecião em Julho de 1754”.
TEIXEIRA, Carlos A; CARDOSO, Guilherme; MIRANDA, Jorge – Registo Fotográfico da Freguesia de S. Domingos de Rana e Alguns Apontamentos Histórico-Administrativos, Cascais: Associação Cultural de Cascais, 2003, p. 88)
Humildade e tradição
Na verdade, poucos serão os que, ao passar, se aperceberão de que, no meio do casario, apesar de uma certa largueza envolvente, está singela ermida, prenhe de tradição. Aliás, são assim as coisas importantes: não carecem de se pôr em bicos de pés; vê-as bem quem quer ter olhos para ver.
Acontece na Conceição da Abóboda, ali para as bandas orientais do concelho. Uma ermida que, no primeiro relance, até parece nem merecer fugaz visita. Merece.
Passou este ano, segundo tudo leva a crer, o 420.º aniversário da sua fundação oficial. De facto, consoante assinala o Dr. Fernando Gomes na monografia que sobre o templo publicou em 1980, a fundação tem de ser forçosamente mais antiga. E à sua construção – qual templo rústico em plenos campos áridos, varridos pelos ventos de nordeste… – ainda ligada saborosa lenda.
Estava a menina embrulhada na sua fome, lacrimejando com os seus botões. Guardaria ovelhas, quiçá, como aqueloutra de Almoinhas Velhas, alvo também de celeste intervenção. E o vento frio que soprava!…
Nisto, houve uma outra aragem, morna, a envolvê-la. Levantou os olhos. Que senhora tão formosa!… Certamente teria posses e pão e algum conduto – pensou logo.
– Senhora, boas tardes! – ousou titubear – Tenho fome!
– Bem no sei, querida menina! Não te amofines! Vai de abalada até aos campos de Freiria, junto àquele ribeiro, conheces? Lá está uma mulher a pôr o pão no forno. Diz-lhe que conte contigo.
– Mas, senhora…
A menina mal queria acreditar no que ouvia. Uma voz maviosa, meiguinha… Baixara os olhos, envergonhada, já arrependida de ter ousado falar. Quando os levantou, a senhora havia desaparecido.
Acreditou, porém no que ouvira. Aliás, uma força misteriosa quase que a arrastava para sul.
E lá estava a mulher a pôr o pão no forno. Ousaram os arqueólogos afirmar que um forno identificado no sítio da villa romana de Freiria, datável da Idade Média, poderia ser o forno da lenda. Poderia ser. Nada no-lo permite confirmar.
– Senhora, conte comigo na sua fornada, está bem?
– Contarei – respondeu ela, sem pensar, sem mesmo se aperceber que contara os magros pães um a um e todos tinham destino certo.
Não reza a história se se entretiveram na conversa, enquanto o pão se doirava. Se a mulher acreditou – ou não – no que a outra senhora dissera. Contudo, aberto o forno, a longa pá de madeira foi trazendo pão atrás de pão, muitos mais do que lá se haviam posto. Muitos mais do que o modesto forno comportava.
O milagre correu célere; o local da aparição tornou-se sagrado e o templo naturalmente surgiu. Dizem ainda que foi obra não só da população mas também de um cavaleiro salvo milagrosamente quando por ali caçava.
Escolheram o local, em 1673, para mais fácil acesso a Deus e serviço dos crentes, os Agostinhos Descalços, que anexaram à igrejinha modesto conjunto conventual. Presença fugaz, uma vez que, escassos três anos depois, ordem superior os obrigou a sair.
Disse que a ermida valia uma visita. Só por estas tradições? Só porque, todos os anos, a 8 de Dezembro, rijamente se festeja a Imaculada Conceição – uma tradição que o amigo Padre Andrade nunca quis deixar morrer? Não! É que lá dentro, além da singeleza, existe preciosa pedra tumular com letras. Leu-as, em tempos, José Maria Cordeiro de Sousa, ilustre conhecedor desses letreiros antigos. «A mais linda pedra sepulcral que é dado ver por todas aquelas terras!», exclamou o investigador.
Valerá a pena transcrever o que lá se diz, usando, contudo a linguagem dos nossos dias. Assim, na orla, a informação:
«Debaixo desta pedra jaz a terra, que de terra se gerou e em terra se tornou, dos muito ilustres senhores D. Diogo Fernandes de Almeida e D. Maria da Fraga, sua mulher».
Não foi esquecida a frase bíblica, anualmente recordada em Quarta-feira de Cinzas: «Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás-de tornar!»…
Depois, em baixo, o epitáfio propriamente dito: «Esta sepultura mandou fazer Frei Gonçalo de Azevedo, comendador de Algoso, para si e seus herdeiros, na qual jaz Beatriz de Azevedo, sua avó, mulher que foi de João Fernandes de Almeida, que está em glória. A 10 de Abril de 1529».
Portanto, Frei Gonçalo – que é hoje, em boa hora, patrono da Escola Secundária de S. Domingos de Rana – deverá ter tido intervenção directa na ermida, pois nela pôde solenemente mandar lavrar sepultura para seus pais e sua avó.”
1-9-1999
ENCARNAÇÃO, José d’ – “Cascais e os seus Cantinhos”, Edições Colibri e Câmara Municipal de Cascais, 2002 Lisboa, p.45-48